A preparação começou com semanas de antecedência. Fui aos
correios, enviei uma encomenda endereçada a mim mesmo, mas para o Barreiro. Duas
camisolas e dois cachecóis seguiam antes de nós para o Continente.
Naquela Quarta feira, acordámos cedo para apanhar o avião. O
dia estava bom e o decidimos seguir logo para o destino mais ansiado. Estacionámos
à porta do Estádio e fomos contemplar logo o Estádio lá de cima. A cara dos meus
filhos a olhar deslumbrados para a imponência do Estádio da Luz, a ver o
contraste do verde da relva com o vermelho das bancadas e imaginar o estádio
repleto de gente. É um momento único, quando percebes que a tua paixão também é
a deles. Seguimos para a loja para comprar os bilhetes, era um Benfica Rio Ave,
mas para mim era o jogo mais importante de todos! Finalmente tinha um bilhete
com o meu nome e mais dois, um para o meu pai e outro para o meu irmão.
Saudades quebradas, adiei até Sexta Feira para abrir a
encomenda com o meu pai. Ele percebeu logo que uma das camisolas era para ele e
que iria levá-lo a casa novamente. O sentimento dele era tão forte quanto o
abraço que me deu nesse momento. Disse-lhe que tinha medo, pois poucos meses
antes um AVC, quase o levava de mim, mas sabia que ele queria aquilo tanto como
eu.
No Sábado, dia de jogo, acordámos os dois muito cedo.
Preparámos um pequeno almoço reforçado e decidimos sair no barco das 11 da
manhã. “O jogo não é só às 16?! Porque é que vão tão cedo?!” perguntavam elas,
desconhecendo que “ir à bola” tinha todo um ritual. Vestimos as nossas
camisolas, ajeitámos os cachecóis e lá fomos até ao barco. Já lá dentro, a
família foi crescendo, pois outros como nós iam para a “missa” na Catedral da
Luz.
Já na Luz, e com tempo, fomos cumprir o ritual de sempre.
Fomos até à roulotte comer uma bifana e beber uma imperial. O meu irmão estava
como sempre atrasado, mas estávamos em casa, não havia qualquer problema. Fomos
até junto de um grupo de Facebook do qual fazemos parte e por ali ficámos como
se estivéssemos estado com eles no fim de semana passado. O Benfica é sobretudo
isto, a amizade entre pessoas que são tão diferentes mas que têm um amor ao Benfica.
Ali todos somos iguais e todos nos sentimos únicos. Quando meu irmão chegou
finalmente, o abraço entre os três é um misto de saudade e de Benfiquismo. Nunca
antes fomos os três “à bola” juntos.
A hora chegou. As portas já deixaram entrar os primeiros
adeptos e já podemos ir. Sim, é cedo, mas quero aproveitar todos os momentos em
casa. Passamos os torniquetes, subimos e eis o momento esperado. Ali no alto no
Piso 1, fiquei largos minutos a ver aquele imponente gigante que é ao mesmo
tempo a minha casa. Senti o cheiro da relva, o arrepio de regressar, senti o
toque do 3º anel e soltei um “Estou em casa!”. Desci até ao meu lugar e ali
fiquei a ver as pessoas a entrar. Ali, num momento só meu, olhava as pessoas ao
meu redor e percebia como algumas coisas tinham mudado. Uns tiravam selfies,
outros fotografavam tudo e todos, havia quem estivesse ao telefone, outros
jogavam nos telemóveis… e eu… eu bebia Benfica, pois aqueles momentos eram
eternos para mim e não era um fotografia que ia absorver o que eu estava a
sentir. Seguiu-se o aquecimento, os aplausos e o voo da águia. O coração
disparava de adrenalina e quando por fim ecoa o hino do Piçarra, os olhos
cravaram-se de lágrimas e os três, abraçados uns aos outros, cantámos o hino do
nosso amor.
O jogo começa, como todos os outros começavam, a pedir
desculpa a quem estava a trás por não me conseguir sentar, mas eles eram como
eu… Aplausos, gritos, insultos e assobios. Foram 45 minutos de futebol sofrido
e ao intervalo, o um igual deixava todos em sobressalto. O senhor de idade ao
pé de mim, sofria por todos nós. Dizia que já tinha voltado a fumar depois de
um jogo destes. Eu tranquilizei-o dizendo que não tínhamos feito 1700 km para
ver o Benfica perder. Íamos dar a volta aquilo! E foi o que fizemos!
Na segunda parte, Raul entrou e no final do jogo marcou dois
golos na baliza do lado oposto. Por cima de nós, os Diabos foram incansáveis e
cantaram até ao fim e nós li por baixo, ajudámos cada palavra! Aos 90 e poucos,
o árbitro apitou. Já muitos tinham saído do estádio e era a debandada. Aos poucos
as bancadas iam ficando vazias e o som ecoado do estádio desaparecia. No cimo
da bancada, ali estava eu, sozinho de braços abertos, olhando o Estádio
praticamente vazio. Sentia o cheiro de terra molhada do relvado a ser regado,
ouvia os passos de quem desmontava tarjas do outro lado do Estádio e
despedia-me de casa. Os placards desligaram e o funcionário veio pedir-nos para
sairmos…
Sei que um dia vou voltar a casa Benfica! Obrigado Benfica!